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CHAYE SARA

  • sinagoga17
  • 11 de nov.
  • 6 min de leitura

CHAYE SARA

Esperanças e Medos

A Sedra de Chaye Sara concentra-se em dois episódios, ambos narrados longamente e com detalhes minuciosos. Avraham compra um campo com uma caverna como local de sepultamento para Sara e instrui seu servo a encontrar uma esposa para seu filho Yitschac. Por que esses dois eventos? A resposta simples é porque aconteceram. Isso, porém, não pode ser tudo. Compreendemos mal a Torá se a considerarmos um livro que nos conta o que aconteceu. Essa é uma explicação necessária, mas não suficiente, da narrativa bíblica. A Torá, ao se identificar como Torá, define seu próprio gênero. Não é um livro de história. É Torá, que significa "ensinamento". Ela nos conta o que aconteceu somente quando os eventos ocorridos naquela época têm relação com o que precisamos saber agora. Qual é o " ensinamento " nesses dois episódios? É um ensinamento inesperado.


Avraham, o primeiro portador da aliança, recebe duas promessas – ambas repetidas cinco vezes. A primeira é a de uma terra. Repetidamente, D-s lhe diz que a terra para a qual ele viajou – Canaã – um dia será sua:

(1) Então o Senhor apareceu a Avram e disse: “À tua descendência darei esta terra”. Ali ele construiu um altar ao Senhor, que lhe havia aparecido. Gênesis 12:7
(2) Depois que Ló se separou dele, o Senhor disse a Avram: “Levante os olhos e olhe ao redor, do lugar onde você está, para o norte, para o sul, para o leste e para o oeste. Toda a terra que você vê, eu a darei a você e à sua descendência para sempre. [...] Levante-se e percorra toda a extensão da terra, pois eu a darei a você.”  Gênesis 13:14-17
(3) E Ele lhe disse: “Eu sou o Senhor que te tirei de Ur dos Caldeus para te dar esta terra para a possuíres”.  Gênesis 15:7
(4) Naquele dia, o Senhor fez uma aliança com Avram: “Aos seus descendentes darei esta terra, desde o rio do Egito até o grande rio Eufrates, a terra dos queneus, dos quenezeus, dos cadmoneus, dos hititas, dos ferezeus, dos refains, dos amorreus, dos cananeus, dos girgaseus e dos jebuseus”. Gênesis 15:18-21
(5) “Estabelecerei a minha aliança entre mim e vocês e os seus descendentes depois de vocês, por todas as gerações: uma aliança eterna. Serei o D-s de vocês e dos seus descendentes depois de vocês, e darei a vocês e aos seus descendentes depois de vocês a terra onde agora vocês vivem como estrangeiros, toda a terra de Canaã, como possessão perpétua, e serei o seu D-s.” Gênesis 17:7-8

A segunda foi a promessa de filhos, também mencionada cinco vezes:

(1) “Farei de ti uma grande nação, e te abençoarei e engrandecerei o teu nome. Tu te tornareis uma bênção.” Gênesis 12:2
(2) “Farei a tua descendência tão numerosa como o pó da terra; se alguém pudesse contar o pó da terra, então se poderia contar a tua descendência.” Gênesis 13:16
(3) Levou-o para fora e disse: “Olha para o céu e conta as estrelas, se é que podes contá-las”. Disse-lhe ainda: “Assim será a tua descendência”. Gênesis 15:5
(4) “E D-s lhe disse: “Quanto a mim, esta é a minha aliança contigo: serás pai de muitas nações. Não te chamarás mais Avram; teu nome será Avraham, porque eu te constituí pai de muitas nações. Gênesis 17:4-5
(5) “Eu te abençoarei grandemente e farei com que a tua descendência seja tão numerosa como as estrelas do céu, como a areia da praia.” Gênesis 22:17

Essas são promessas extraordinárias. A terra, em toda a sua extensão, será de Avraham e de seus filhos como “uma possessão perpétua”. Avraham terá tantos filhos quanto o pó da terra, as estrelas do céu e a areia da praia. Ele será o pai, não de uma só nação, mas de muitas. Mas qual é a realidade quando Sara morre? Avraham não possui terras e tem apenas um filho (ele teve outro, Ismael, mas foi informado de que ele não seria o portador da aliança).


O significado dos dois episódios agora está claro. Primeiro, Avraham passa por um longo processo de negociação com os hititas para comprar um campo com uma caverna onde enterrar Sara. É um encontro tenso, até mesmo humilhante. Os hititas dizem uma coisa e querem dizer outra. Em grupo, eles dizem: “Senhor, ouça-nos. O senhor é um príncipe de D-s em nosso meio. Enterre a sua morta no melhor dos nossos túmulos”. Efrom, o dono do campo que Avraham deseja comprar, diz: “Escute, eu lhe dou o campo e lhe dou a caverna que está nele. Eu o dou a você na presença do meu povo. Enterre a sua morta”.


Como a narrativa deixa claro, essa generosidade elaborada é uma fachada para uma negociação extremamente difícil. Avraham sabe que é “um estrangeiro e um forasteiro entre vocês”, o que significa, entre outras coisas, que ele não tem o direito de possuir terras. Essa é a força da resposta deles que, despojada de sua camada de cortesia, significa: “Use um de nossos túmulos. Você não pode adquirir o seu próprio”. Avraham não se deixa dissuadir. Ele insiste que quer comprar o seu próprio. A resposta de Éfrom – “É seu. Eu o dou a você” – é, na verdade, o prelúdio para uma exigência de um preço inflacionado: quatrocentos siclos de prata. Finalmente, porém, Avraham se torna dono da terra. A transferência final de propriedade é registrada em prosa legal precisa (Gênesis 23:17-20) para sinalizar que, finalmente, Avraham possui parte da terra. É uma pequena parte: um campo e uma caverna. Um local de sepultamento, comprado a um custo elevado. Essa é a totalidade da promessa divina da terra que Avraham verá em sua vida.


O capítulo seguinte, um dos mais longos dos livros mosaicos, narra a preocupação de Avraham em relação ao casamento de Yitzhak (Isaac). Ele tinha – devemos presumir – pelo menos 37 anos (sua idade quando Sara morreu) e ainda era solteiro. Avraham tinha um filho, mas nenhum neto – nenhuma descendência. Assim como na compra da caverna, aqui também: adquirir uma nora exigiria muito dinheiro e negociações árduas. O servo, ao chegar perto da família de Avraham, encontra imediatamente a jovem, Rivka (Rebeca), antes mesmo de terminar de orar pedindo a ajuda de D-s para encontrá-la. Conseguir que ela fosse libertada de sua família era outra questão. Ele trouxe ouro, prata e roupas para a jovem. Deu presentes valiosos ao irmão e à mãe dela. A família fez uma refeição festiva. Mas quando o servo quis partir, o irmão e a mãe disseram: “Deixe a jovem ficar conosco por mais um ano ou dez meses”. Laban, irmão de Rivka, desempenha um papel semelhante ao de Efrom: a demonstração de generosidade esconde uma determinação dura, até mesmo exploradora, de fazer um negócio lucrativo. No fim, a paciência compensa. Rivka vai embora. Yitzhak casa-se com ela. O pacto continuará.


Esses não são, portanto, episódios menores. Eles contam uma história difícil. Sim, Avraham terá uma terra. Terá inúmeros filhos. Mas essas coisas não acontecerão em breve, nem de repente, nem facilmente. Nem ocorrerão sem esforço humano. Pelo contrário, somente a força de vontade mais concentrada as tornará realidade. A promessa divina não é o que pareceu inicialmente: uma declaração de que D-s agirá. É, na verdade, um pedido, um convite de D-s a Avraham e seus filhos para que ajam. D-s os ajudará. O resultado será o que D-s disse que seria. Mas não sem o comprometimento total da família de Avraham diante daquilo que, por vezes, parecerão obstáculos insuperáveis.


Uma terra: Israel. E filhos: a continuidade judaica. O fato surpreendente é que hoje, quatro mil anos depois, essas continuam sendo as principais preocupações dos judeus em todo o mundo – a segurança e a proteção de Israel como lar judaico e o futuro do povo judeu. As esperanças e os temores de Avraham são os nossos. (Será que existe algum outro povo, pergunto-me, cujas preocupações hoje sejam as mesmas de quatro milênios atrás? A identidade ao longo do tempo é inspiradora.)


Agora como naquela época, a promessa divina não significa que podemos deixar o futuro nas mãos de D-s. Essa ideia não tem lugar no mundo imaginativo do primeiro livro da Torá. Pelo contrário: a aliança é um desafio de D-s para nós, e não o contrário. O significado dos eventos de Chaye Sara é que Avraham percebeu que D-s dependia dele. Fé não significa passividade. Significa a coragem de agir e jamais se deixar abater. O futuro acontecerá, mas somos nós – inspirados, fortalecidos, munidos de força pela promessa – que devemos concretizá-lo.

 

Texto original “Hopes and Fears” por Rabbi Lord Jonathan Sacks zt’l

 


 
 

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