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  • 15 de mai.
  • 6 min de leitura

Santidade e Parto

As sidrot de Tazria e Metsora contêm leis que estão entre as mais difíceis de compreender. Elas tratam de condições de “impureza” decorrentes do fato de sermos seres físicos, almas encarnadas e, portanto, expostos (nas palavras de Hamlet) “aos mil choques naturais aos quais a carne é herdeira”.


Embora tenhamos anseios imortais, a mortalidade é a condição da existência humana, assim como de toda vida corpórea.

Rambam explica:

Já mostramos que, de acordo com a sabedoria Divina, a gênese só pode ocorrer por meio da destruição, e sem a destruição dos membros individuais da espécie, a própria espécie não existiria permanentemente… Aquele que pensa que pode ter carne e ossos sem estar sujeito a qualquer influência externa, ou a qualquer acidente da matéria, inconscientemente deseja reconciliar dois opostos, a saber, estar ao mesmo tempo sujeito e não sujeito à mudança. (Maimônides, Guia para os Perplexos, III:12)

Ao longo da história, houve duas maneiras distintas e opostas de se relacionar com esse fato: o hedonismo (viver para o prazer físico) e o ascetismo (renunciar ao prazer físico). O primeiro venera o físico enquanto nega o espiritual, enquanto o segundo entroniza o espiritual em detrimento do físico.


O caminho judaico sempre foi diferente: santificar o físico – comer, beber, fazer sexo e descansar – tornando a vida do corpo um veículo para a Presença Divina. A razão é simples. Cremos com fé perfeita que o D-s da redenção é também o D-s da criação. O mundo físico que habitamos é aquele que D-s criou e declarou “muito bom”. Ser hedonista é negar D-s. Ser asceta é negar a bondade do mundo de D-s. Ser judeu é celebrar tanto a criação quanto o Criador. Esse é o princípio que explica muitas características da vida judaica, de outra forma incompreensíveis.


As leis com as quais a Parashá começa são exemplos marcantes disso:

Quando uma mulher conceber e der à luz um menino, ela será  teme’ah  por sete dias, assim como durante o período de separação, quando estiver menstruada… Depois, por mais trinta e três dias, ela terá um período de espera durante o qual seu sangue será ritualmente limpo. Até que esse período de purificação se complete, ela não tocará em nada sagrado e não entrará no Santuário.Se ela der à luz uma menina, terá por duas semanas o mesmo status  de teme’ah  que durante o período menstrual. Depois disso, por sessenta e seis dias, terá um período de espera durante o qual seu sangue estará ritualmente limpo.

Ela então traz um holocausto e uma oferta pelo pecado, após o que é restaurada à “pureza ritual”. Qual é o significado dessas leis? Por que o parto torna a mãe  teme’ah  (geralmente traduzido como “ritualmente impura”, melhor entendido como “uma condição que impede ou isenta de um encontro direto com a santidade”)? E por que o período após o parto de uma menina é o dobro do de um menino?


Há uma tentação de ver essas leis como inerentemente além do alcance da compreensão humana. Diversas declarações rabínicas parecem dizer exatamente isso. Na verdade, não é assim, como Maimônides explica detalhadamente no Guia. Certamente, nunca podemos saber – especificamente com relação às leis que têm a ver com  kedusha  (santidade) e  tehara (pureza) – se nossa compreensão está correta. Mas não somos forçados a abandonar nossa busca por compreensão, mesmo que qualquer explicação seja, na melhor das hipóteses, especulativa e provisória.


O primeiro princípio essencial para a compreensão das leis da pureza e da impureza ritual é que D-s é vida. O judaísmo rejeita profundamente os cultos, antigos e modernos, que glorificam a morte. As grandes pirâmides do Egito eram túmulos grandiosos. Arthur Koestler observou que, sem a morte, “as catedrais ruem, as pirâmides desaparecem na areia, os grandes órgãos silenciam”. Os poetas metafísicos ingleses recorriam constantemente a ela como tema. Como escreveu T.S. Eliot:

Webster estava muito possuído pela morteE viu o crânio sob a pele…Donne, suponho, era outro…Ele conhecia a angústia da medulaA febre do esqueleto… (Sussurros da Imortalidade, T. S. Eliot)

Freud cunhou a palavra thanatos para descrever o caráter da vida humana direcionado à morte. O judaísmo é um protesto contra culturas centradas na morte. “Não são os mortos que louvam o Senhor, nem os que descem ao silêncio” (Salmo 114). “Que proveito há na minha morte, se eu descer à cova? Pode o pó reconhecer-te? Pode proclamar a tua verdade?” (Salmo 30). Ao abrirmos um Sefer Torá, dizemos: “Todos vós que vos apegastes ao Senhor vosso D-s estais vivos hoje” (Deut 4:4). A Torá é uma árvore da vida. D-s é o D-s da vida. Como Moshe disse em duas palavras memoráveis: “Escolha a vida” (Dt 30:19).

Conclui-se que kedushá (santidade) – um ponto no tempo ou espaço onde nos encontramos na presença imediata de D-s – envolve uma consciência suprema da vida. É por isso que o caso paradigmático de  tumá  é o contato com um cadáver. Outros casos de  tumá incluem doenças ou emissões corporais que nos lembram da nossa mortalidade. O domínio de D-s é a vida. Portanto, não pode ser associado de forma alguma a indícios de morte.


É assim que Judah Halevi explica as leis de pureza:

Um corpo morto representa o mais alto grau de perda da vida, e um membro leproso é como se estivesse morto. O mesmo ocorre com a perda da semente, pois ela havia sido dotada de poder vital, capaz de gerar um ser humano. Sua perda, portanto, contrasta com a vida e a respiração. (O Kuzari, II:60)

As leis de pureza se aplicam exclusivamente a Israel, argumenta Halevi, precisamente porque o judaísmo é a religião suprema da vida, e seus adeptos são, portanto, hipersensíveis até mesmo às mais sutis distinções entre vida e morte.


Um segundo princípio, igualmente marcante, é a aguda sensibilidade que o judaísmo demonstra ao nascimento de uma criança. Nada é mais “natural” do que a procriação. Todo ser vivo se envolve nela. Sociobiólogos chegam a argumentar que um ser humano é a maneira de um gene criar outro gene. Em contraste, a Torá se esforça para descrever como muitas das heroínas da Bíblia – entre elas Sara, Rivka, Rachel, Hanna e a sunamita – eram inférteis e tiveram filhos apenas por meio de um milagre.


Claramente, a Torá pretende transmitir uma mensagem aqui, e ela é inconfundível. Ser judeu é saber que a sobrevivência não é uma questão apenas de biologia. O que outras culturas podem considerar natural é para nós um milagre. Cada criança judia é uma dádiva de D-s. Nenhuma fé levou as crianças mais a sério ou dedicou mais esforços à criação da próxima geração. O parto é maravilhoso. Ser pai ou mãe é o mais perto que qualquer um de nós chega do próprio D-s. É por isso, aliás, que as mulheres estão mais próximas de D-s do que os homens, porque elas, ao contrário dos homens, sabem o que é gerar uma nova vida a partir de si mesmas, assim como D-s gera a vida a partir de si mesmo. A ideia é lindamente capturada no versículo em que, deixando o Éden, Adam se volta para sua esposa e a chama de Chava, “pois ela é a mãe de toda a vida”.


Podemos agora especular sobre as leis relativas ao parto. Quando uma mãe dá à luz, ela corre grande risco. Ao longo dos séculos, o parto tem sido um perigo mortal tanto para a mãe quanto para o bebê, e ainda hoje existem riscos constantes para muitos. Além disso, durante o processo de parto, a mulher é separada daquilo que até então fazia parte de seu próprio corpo (um feto, diziam os rabinos, “é como um membro da mãe”) e que agora se tornou uma pessoa independente. Se isso é assim no caso de um menino, é duplamente verdadeiro no caso de uma menina – que, com a ajuda de D-s, não apenas viverá, mas poderá, em anos posteriores, tornar-se uma fonte de nova vida. Em certo nível, portanto, as leis sinalizam o desapego da vida pela vida.


Em outro nível, certamente sugerem algo mais profundo. Há um princípio haláchico: “Aquele que se dedica a uma mitzvá está isento de outras mitzvot”. É como se D-s dissesse à mãe: por quarenta dias no caso de um menino, e duplamente no caso de uma menina (o vínculo mãe-filha é ontologicamente mais forte do que entre mãe e filho): Eu a isento de vir diante de Mim no lugar da santidade porque você está totalmente engajada em um dos atos mais sagrados de todos: nutrir e cuidar de seu filho. Ao contrário de outros, você não precisa visitar o Templo para se apegar à vida em todo o seu esplendor sagrado. Você a está experimentando pessoalmente, diretamente e com cada fibra do seu ser. Daqui a alguns dias, semanas, você virá e dará graças diante de Mim (juntamente com oferendas por ter sobrevivido a um momento de perigo). Mas, por enquanto, olhe para seu filho com admiração. Pois você teve um vislumbre do grande segredo, conhecido apenas por D-s.

O parto isenta a nova mãe da presença no Templo, pois sua presença ao lado do leito reproduz a experiência do Templo. Ela agora sabe o que significa para o amor gerar vida e, em meio à mortalidade, ser tocada por uma insinuação de imortalidade.

 

 

Texto original “Holiness and Childbirth” por Rabbi Lord Jonathan Sacks zt’l

  • 15 de mai.
  • 6 min de leitura

ACHAREI KEDOSHIM

O Amor Não É Suficiente

O capítulo inicial de Kedoshim contém dois dos mais poderosos mandamentos: amar o próximo e amar o estrangeiro. “Ame o seu próximo como a si mesmo: Eu sou o Senhor”, diz o primeiro. “Quando um estrangeiro vier morar em sua terra, não o maltrate”, diz o segundo, e continua: “Trate o estrangeiro como você trata seu nativo. Ame-o como a si mesmo, pois vocês foram estrangeiros no Egito. Eu sou o Senhor, seu D-s .” Levítico 19:33-34  [1]


A primeira é frequentemente chamada de “regra de ouro” e considerada universal para todas as culturas. Isso é um erro. A regra de ouro é diferente. Em sua formulação positiva, ela afirma: “Aja com os outros como gostaria que agissem com você”, ou em sua formulação negativa, dada por Hillel: “O que é odioso para você, não faça ao seu próximo”. Essas regras não são sobre amor. Elas são sobre justiça, ou mais precisamente, o que os psicólogos evolucionistas chamam de altruísmo recíproco. A Torá não diz: “Seja gentil ou amável com seu próximo, porque você gostaria que ele fosse gentil ou amável com você”. Ela diz: “Ame o seu próximo”. Isso é algo diferente e muito mais forte.

O segundo mandamento é ainda mais radical. A maioria das pessoas, na maioria das sociedades, na maioria das épocas, temeu, odiou e, muitas vezes, prejudicou o estrangeiro. Existe uma palavra para isso: xenofobia. Quantas vezes você já ouviu a palavra oposta: xenofilia? Meu palpite é: nunca. As pessoas geralmente não amam estrangeiros. É por isso que, quase sempre que a Torá declara esse mandamento – o que acontece, segundo os Sábios, 36 vezes –, acrescenta uma explicação: “porque fostes estrangeiros no Egito”. Não conheço nenhuma outra nação que tenha nascido como nação na escravidão e no exílio. Sabemos como é ser uma minoria vulnerável. É por isso que o amor ao estrangeiro é tão central para o judaísmo e tão marginal para a maioria dos outros sistemas de ética. [2] Mas também aqui, a Torá não usa a palavra “justiça”. Há um mandamento de justiça para com os estrangeiros, mas essa é uma lei diferente: “Não farás mal ao estrangeiro nem o oprimirás” (Ex. 22:20 ). Aqui a Torá não fala de justiça, mas de amor.


Esses dois mandamentos definem o judaísmo como uma religião de amor – não apenas a D-s (“de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças”), mas também à humanidade. Essa foi e é uma ideia transformadora.


Mas o que exige reflexão profunda é onde esses mandamentos aparecem. Eles aparecem na Parashá Kedoshim, no que, aos olhos contemporâneos, deve parecer uma das passagens mais estranhas da Torá.


Levítico 19 traz leis paralelas de tipos aparentemente bem diferentes. Algumas pertencem à vida moral: não fofocar, não odiar, não se vingar, não guardar rancor. Algumas são sobre justiça social: deixar parte da colheita para os pobres; não perverter a justiça; não reter salários; não usar pesos e medidas falsos. Outras têm um sentido completamente diferente: não cruzar gado; não plantar um campo com sementes misturadas; não usar roupa de lã e linho misturados; não comer frutas dos primeiros três anos; não comer sangue; não praticar adivinhação; não se lacerar.


À primeira vista, essas leis não têm nada a ver umas com as outras: algumas dizem respeito à consciência, outras à política e à economia, e outras ainda, à pureza e ao tabu. Claramente, porém, a Torá nos diz o contrário. Elas têm algo em comum. Todas dizem respeito à ordem, aos limites, às fronteiras. Elas nos dizem que a realidade tem uma certa estrutura subjacente cuja integridade deve ser honrada. Se você odeia ou se vinga, destrói relacionamentos. Se você comete injustiça, mina a confiança da qual a sociedade depende. Se você não respeita a integridade da natureza (diferentes sementes, espécies e assim por diante), você dá o primeiro passo em um caminho que termina em desastre ambiental.

Existe uma ordem no universo, parte moral, parte política, parte ecológica. Quando essa ordem é violada, eventualmente há caos. Quando essa ordem é observada e preservada, nos tornamos cocriadores da harmonia sagrada e da diversidade integrada que a Torá chama de “sagrada”.


Por que, então, é especificamente neste capítulo que os dois grandes mandamentos – amor ao próximo e amor ao estrangeiro – aparecem? A resposta é profunda e nada óbvia. Porque é aqui que o amor se encaixa – em um universo ordenado.

Jordan Peterson, o psicólogo canadense, tornou-se recentemente um dos intelectuais públicos mais proeminentes do nosso tempo. Seu livro recente, Doze Regras para a Vida , foi um grande best-seller na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. [3] Ele teve a coragem de ser um opositor, desafiando as falácias da moda do Ocidente contemporâneo. Particularmente marcante no livro é a Regra 5: “Não deixe seus filhos fazerem nada que faça você não gostar deles”.


Seu ponto é mais sutil do que parece. Um número significativo de pais hoje, diz ele, falha em socializar seus filhos. Eles os mimam. Não lhes ensinam regras. Há, argumenta ele, razões complexas para isso. Parte disso tem a ver com falta de atenção. Os pais são ocupados e não têm tempo para a exigente tarefa de ensinar disciplina. Parte disso tem a ver com a ideia influente, porém enganosa, de Jean-Jacques Rousseau de que as crianças são naturalmente boas e se tornam más pela sociedade e suas regras. Portanto, a melhor maneira de criar filhos felizes e criativos é deixá-los escolher por si mesmos.

Em parte, porém, ele diz que isso se deve ao fato de que “os pais modernos estão simplesmente paralisados ​​pelo medo de não serem mais queridos, ou mesmo amados, pelos filhos se os castigarem por qualquer motivo”. Eles têm medo de prejudicar o relacionamento dizendo ‘Não’. Eles temem a perda do amor dos filhos.


O resultado é que eles deixam seus filhos perigosamente despreparados para um mundo que não satisfará seus desejos ou anseios por atenção; um mundo que pode ser duro, exigente e, às vezes, cruel. Sem regras, habilidades sociais, autocontrole e capacidade de adiar a gratificação, as crianças crescem sem um aprendizado da realidade. Sua conclusão é impactante:

Regras claras criam crianças seguras e pais calmos e racionais. Princípios claros de disciplina e punição equilibram misericórdia e justiça para que o desenvolvimento social e a maturidade psicológica possam ser promovidos de forma otimizada. Regras claras e disciplina adequada ajudam a criança, a família e a sociedade a estabelecer, manter e expandir a ordem. É isso que nos protege do caos. [4]

É disso que trata o capítulo inicial de Kedoshim: regras claras que criam e sustentam uma ordem social. É aí que o amor verdadeiro – não o substituto sentimental e autoenganoso – se encaixa. Sem ordem, o amor apenas contribui para o caos. O amor mal direcionado pode levar à negligência parental, produzindo filhos mimados, com um senso de direito, destinados a uma vida adulta infeliz, malsucedida e insatisfatória.


O livro de Peterson, cujo subtítulo é “Um Antídoto para o Caos”, não é apenas sobre crianças. É sobre a bagunça que o Ocidente criou desde que os Beatles cantaram (em 1967) “All You Need is Love”. Como psicólogo clínico, Peterson viu o custo emocional de uma sociedade sem um código moral compartilhado. As pessoas, escreve ele, precisam de princípios de ordenação, sem os quais há caos. Precisamos de “regras, padrões, valores – sozinhos e juntos. Precisamos de rotina e tradição. Isso é ordem”. Muita ordem pode ser ruim, mas pouca pode ser pior. A vida é melhor vivida, diz ele, na linha divisória entre elas. É lá, diz ele, que “encontramos o significado que justifica a vida e seu inevitável sofrimento”. Talvez, se vivêssemos adequadamente, acrescenta, “pudéssemos suportar o conhecimento de nossa própria fragilidade e mortalidade, sem o sentimento de vitimização ofendida que produz, primeiro, ressentimento, depois inveja e, por fim, o desejo de vingança e destruição”. [5]


Essa é a explicação mais perspicaz que já ouvi para a estrutura singular de Levítico 19. Sua combinação de leis morais, políticas, econômicas e ambientais é uma declaração suprema de um universo de ordem (divinamente criado) do qual somos os guardiões. Mas o capítulo não trata apenas de ordem. Trata-se de humanizar essa ordem por meio do amor – o amor ao próximo e ao estrangeiro. E quando a Torá diz: não odeie, não se vingue e não guarde rancor, é uma antecipação fantástica das observações de Peterson sobre ressentimento, inveja e o desejo de vingança e destruição.


Daí a ideia transformadora que esquecemos por muito tempo: o amor não basta. Relacionamentos precisam de regras.

 

 

NOTAS [1] Note que alguns leem esses dois versículos como se referindo especificamente a um ger tzedek, ou seja, um convertido ao judaísmo. Isso, no entanto, é perder o ponto do comando, que é: não permita que diferenças étnicas (ou seja, entre um judeu nato e um convertido) influenciem suas emoções. O judaísmo deve ser daltônico em relação à raça e à cor. [2] Se tivesse existido na Europa, não teria havido mil anos de perseguição aos judeus, seguidos pelo nascimento do antissemitismo racial, seguido pelo Holocausto.[3] Jordan Peterson, 12 Rules for Life: an antidote to chaos , Allen Lane, 2018.[4] Ibid., 113-44.[5] Ibid., xxxiv.

 

 

Texto original “Love Is Not Enough” por Rabbi Lord Jonathan Sacks zt’l

  • 7 de mai.
  • 6 min de leitura

VAERÁ

Liberdade e Verdade

Por que Moshe contou ao Faraó, se não uma mentira, então menos que a verdade completa? Aqui está a conversa entre ele e o Faraó após a quarta praga,  arov , “enxames de insetos” [1]:

Faraó chamou Moshe e Aharon e disse: “Vão, sacrifiquem ao seu D-s aqui na terra”. Mas Moshe disse: “Isso não seria certo. Os sacrifícios que oferecemos ao Senhor, nosso D-s, seriam detestáveis ​​aos egípcios. E se oferecermos sacrifícios que são detestáveis ​​aos seus olhos, eles não nos apedrejarão? Devemos fazer uma jornada de três dias no deserto para oferecer sacrifícios ao Senhor, nosso D-s, como ele nos ordena”. Êxodo 8:27-28

Não apenas aqui, mas em todo o texto, Moshe faz parecer que tudo o que ele está pedindo é permissão para que o povo empreenda uma jornada de três dias, ofereça sacrifícios a D-s e então (por implicação) retorne ao Egito. Então, em sua primeira aparição diante do Faraó, Moshe e Aharon dizem:

“Assim diz o Senhor, o D-s de Israel: ‘Deixe meu povo ir, para que eles possam celebrar uma festa para mim no deserto.’”

Faraó disse: “Quem é o Senhor, para que eu lhe obedeça e deixe Israel ir? Não conheço o Senhor, e não deixarei Israel ir.”

Então eles disseram: “O D-s dos hebreus nos encontrou. Agora, façamos uma jornada de três dias no deserto para oferecer sacrifícios ao Senhor, nosso D-s, ou ele pode nos ferir com pragas ou com a espada.” Êxodo 5:1-3

D-s até mesmo especifica isso antes que a missão tenha começado, dizendo a Moshe na Sarça Ardente: “Você e os anciãos de Israel irão então ao rei do Egito. Vocês devem dizer a ele: ‘O Senhor, D-s dos hebreus, revelou-se a nós. Agora pedimos que você nos permita fazer uma jornada de três dias no deserto, para sacrificar ao Senhor nosso D-s’”. (Êxodo 3:18)

A impressão permanece até o fim. Depois que os israelitas partiram, lemos:

O rei do Egito recebeu notícias de que o povo estava escapando. O faraó e seus oficiais mudaram de ideia em relação ao povo e disseram: “O que fizemos? Como poderíamos ter liberado Israel de fazer nosso trabalho?”  Êxodo 14:5

Em nenhum momento Moshe diz explicitamente que está propondo que o povo tenha permissão para sair permanentemente, para nunca mais retornar. Ele fala de uma jornada de três dias. Há uma discussão entre ele e o Faraó sobre quem deve ir. Apenas os homens adultos? Apenas o povo, não o gado? Moshe pede consistentemente permissão para adorar a D-s, em algum lugar que não seja o Egito. Mas ele não fala sobre liberdade ou a Terra Prometida. Por que não? Por que ele cria, e não corrige, uma falsa impressão? Por que ele não pode dizer abertamente o que quer dizer?

Os comentaristas oferecem várias explicações. O rabino Shmuel David Luzzatto (Itália, 1800-1865) diz que era impossível para Moshe dizer a verdade a um tirano como o Faraó. O rabino Yaakov Mecklenburg (Alemanha, 1785-1865,  Ha-Ktav veha-Kabbalah) diz que tecnicamente Moshe não contou uma mentira. Ele realmente quis dizer que queria que o povo fosse livre para fazer uma jornada para adorar a D-s, e ele nunca disse explicitamente que eles retornariam.

O Abarbanel (Lisboa 1437 – Veneza 1508) diz que D-s disse a Moshe deliberadamente para fazer um pequeno pedido, para demonstrar a crueldade e indiferença do Faraó para com seus escravos. Tudo o que eles estavam pedindo era uma breve pausa em seus trabalhos para oferecer sacrifícios a D-s. Se ele recusasse isso, ele era de fato um tirano. Rav Elhanan Samet (Iyyunim be-Parshot Ha-Shevua, Êxodo, 189) cita um comentarista não identificado que diz simplesmente que esta era uma guerra entre o Faraó e o povo judeu, e na guerra é permitido, na verdade às vezes necessário, enganar.

Na verdade, porém, os termos do encontro entre Moshe e o Faraó são parte de um padrão mais amplo que já observamos na Torá. Quando Yaakov sai da casa de Laban com toda a sua família, lemos: “Yaakov decidiu ir pelas costas de Laban, o arameu, e não lhe disse que estava partindo”. (Gênesis 31:20) Laban protesta contra esse comportamento:

“Como você pôde fazer isso? Você foi pelas minhas costas e levou minhas filhas embora como prisioneiras de guerra! Por que você teve que sair tão secretamente? Você foi pelas minhas costas e não me disse nada!”  Gênesis 31:26-27

Yaakov novamente tem que contar, na melhor das hipóteses, uma meia verdade quando Essav sugere que eles viajem juntos após a reunião dos irmãos: “Você sabe que as crianças são fracas, e eu tenho a responsabilidade de amamentar as ovelhas e o gado. Se elas forem forçadas a fazer força por um dia, todas as ovelhas morrerão. Por favor, vá na minha frente, meu senhor”. (Gênesis 33:13-14) Embora não seja estritamente uma mentira, isso é uma desculpa diplomática.

Quando os filhos de Yaakov tentam resgatar sua irmã Dina, que foi estuprada e sequestrada por Siquém, o heveu, eles “responderam enganosamente” (Gênesis 34:13) quando Siquém e seu pai propuseram que toda a família fosse morar com eles, dizendo que só poderiam fazer isso se todos os homens da cidade fossem circuncidados.

Anteriormente ainda encontramos que três vezes Abraham e Yitzchak, forçados a deixar o lar por causa da fome, tiveram que fingir que eram irmãos de suas esposas, e não seus maridos, porque temiam que, de outra forma, seriam mortos para que Sarah ou Rivka pudessem ser levadas para o harém do rei. (Gênesis 12 , Gênesis 20 , Gênesis 26)

Esses seis episódios não podem ser inteiramente acidentais ou coincidentes com a narrativa bíblica como um todo. A implicação parece ser esta: fora da terra prometida, os judeus na era bíblica estão em perigo se disserem a verdade. Eles estão em risco constante de serem mortos ou, na melhor das hipóteses, escravizados.

Por quê? Porque eles são impotentes em uma era de poder. Eles são uma família pequena, na melhor das hipóteses uma nação pequena, em uma era de impérios. Eles têm que usar sua inteligência para sobreviver. Em geral, eles não contam mentiras, mas podem criar uma falsa impressão. Não é assim que as coisas deveriam ser. Mas é como eles eram antes que os judeus tivessem sua própria terra, seu único e exclusivo espaço defensável. É como as pessoas em situações impossíveis são forçadas a ser se quiserem existir.

Ninguém deve ser forçado a viver uma mentira. No judaísmo, a verdade é o selo de D-s e a pré-condição essencial da confiança entre os seres humanos. Mas quando seu povo está sendo escravizado, seus filhos homens assassinados, você tem que libertá-los por quaisquer meios possíveis. Moshe, que já tinha visto que seu primeiro encontro com o faraó piorou as coisas para seu povo – eles ainda tinham que fazer a mesma cota de tijolos, mas agora também tinham que reunir sua própria palha (Ex. 5:6-8) – não queria correr o risco de piorá-los ainda mais.

A Torá aqui não está justificando o engano. Ao contrário, ela está condenando um sistema no qual dizer a verdade pode colocar sua vida em risco, como ainda acontece em muitas sociedades tirânicas ou totalitárias hoje. O judaísmo – uma religião de dissidência, questionamento e “argumentos em prol do céu” – é uma fé que valoriza a honestidade intelectual e a veracidade moral acima de todas as coisas. O salmista diz:

“Quem subirá ao monte do Senhor e quem estará em seu lugar santo? Aquele que é limpo de mãos e puro de coração, que não tomou meu nome em vão nem jurou enganosamente.”  Salmos 24:3-4

Malaquias diz sobre alguém que fala em nome de D-s: “A lei da verdade estava em sua boca, e injustiça não foi encontrada em seus lábios”. (Malaquias 2:6) Cada amidá termina com a oração: “Meu D-s, guarda minha língua do mal e meus lábios da fala enganosa.”

O que a Torá está nos dizendo nessas seis narrativas em Gênesis e na sétima em Êxodo é a conexão entre liberdade e verdade. Onde há liberdade, pode haver verdade. Caso contrário, não pode. Uma sociedade onde as pessoas são forçadas a ser menos do que totalmente honestas apenas para sobreviver e não provocar mais opressão não é o tipo de sociedade que D-s quer que façamos.

 

NOTAS[1]  Alguns dizem que o arov era uma praga de animais selvagens.

 

Texto original “Freedom and Truth” por Rabbi Lord Jonathan Sacks zt’l

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